domingo, 24 de novembro de 2013

Não mais para você.



Ei, senta aqui, deixa eu te dizer: esse texto não é para você. Foram tantos escritos, divulgados, rasgados, engolidos. Uns dez ou vinte. Já nem lembro. Fostes o tema durante meses. Eu falei meses? Certo mesmo é dizer a verdade: você foi o meu tema durante praticamente 1 ano. Quase uma novela dessas que não empolgam, mas que prendem um ou dois telespectadores, nem que seja por desaviso. 
É certo que o implícito e suas linhas tortas não são fáceis de entender, mas veja bem, nesses tantos textos eu só faltei colocar seu nome por extenso, em letras garrafais, fonte 90 e destaque em neon. Seria um desastre, mas quem se importaria? Eu gosto é do estrago. Você sabe.
Eis que agora, quando não tenho mais vontade de escrever para você, só me resta te avisar que os próximos não serão seus. Aliás, pensando bem, os anteriores também não foram seus. MEUS. Porque os escrevi cheia de querer. Meus. Porque tinha mais de mim ali do que você já viu em carne, osso, pele, cheiro e suor. Meus. Porque vômito de sentimento não se rejeita. Meus. Porque no meu mundo palavra dita ou escrita vale mais do que cem mil réis. Meus. Porque várias vezes eu chorei e bebi minhas lágrimas enquanto escrevia. Meus. Porque eu escrevi Amor na sua testa e na minha enquanto você dormia. Meus. Porque o coração que pulsou na sua mão não era seu, mas meu. Só meu. Como você nunca foi. Como eu sempre quis que fosse. E como você nunca será de ninguém. 

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Já que eu não engulo pílulas, vou tomar vitamina C.


Quando criança eu brincava de decorar cheiros e guardá-los no baú da minha memória. Para cada pessoa uma caixinha. Para cada situação um envelope. Na minha cabeça infantil a madeira guardava por mais tempo. Já o papel poderia rasgar, amassar, se perder no vento. Assim, eu guardava o perfume da minha mãe na maior caixa do baú. Já se passaram bem mais de 10 anos, ela nem usa mais a mesma essência, mas se eu fechar os olhos e respirar fundo sinto o perfume que me colocava pra dormir.
Os cheiros do Nescau e do biscoito de maizena também moravam numa caixinha. Sempre que eu queria me sentir em casa abria a caixa e tudo ficava bem. O cheiro da gasolina morava em um envelope. Eu não era uma criança que viajava muito, mas quando isso acontecia eu fazia questão de colocar o nariz fora da janela pra sentir aquele cheiro empolgante. Gasolina me lembra vento, liberdade. Um pedacinho de papel solto no ar. Eu sempre olho para cima quando sinto cheiro de gasolina.
Os cheiros do meu primeiro beijo ainda moram em uma das minhas caixas. Cheiros, sim, porque foram vários. O perfume que o "meu amor" usava e me fazia sentir segura, o meu perfume doce de menina que ouvia alguma boy band do momento e suspirava sem fim, o cheiro de morango do brilho labial que eu usava, o perfume da única roseira que tinha na pracinha, o cheiro dos fogos de artifício e da lenha da fogueira. Fechos os olhos, respiro fundo e cá estão todos eles fazendo redemoinho no meu coração.
Daí que ontem eu acordei com saudade. Fazia um bom tempo que eu não degustava do gosto único e levemente amargo que esse sentimento tem. Saudade tem cheiro, sim. Desconfio que saudade tem até cor. Mas ontem eu não precisei abrir meu baú, procurar minhas caixas, envelopes, nada. Não foi porque eu quis. Eu não respirei fundo, nem fechei os olhos. Ontem eu despertei e um único cheiro já estava impregnado no meu quarto, no meu edredom, nos meus cabelos, dedos, boca. Cheiro de querer. Era doce e cítrico. Cheiro de saudade. Amadeirado e floral. Cheiro de cigarro misturado com álcool. Era seu e, também era meu. Era nosso. Pensei rápido, fechei os olhos, respirei fundo, abri a boca e engoli. Cheiro, saudade, presença, ausência, querer, tudo. Fiz de vitamina C. Desceu me rasgando com força, mas não tinha importância. Antes isso do que procurar você. 

terça-feira, 16 de julho de 2013

Sobre a carta que eu recebi.


Querida Mel,

Mal sabes o quanto me custou ter coragem para escrever-te essa carta. Me percorria a mente a possibilidade de você não receber bem o que eu tenho a lhe dizer. Me angustiava imaginar você naquele cantinho do seu quarto recolhida e chorosa após ler as minhas "verdades". Eu não quero magoar você,mas também não vou lhe dar flores. Preciso lhe dizer algumas coisas. Respire fundo, beba alguns goles do chá de erva cidreira que tem lhe acompanhado esses dias e leia com atenção.

Você não é tão forte quanto parece ou gostaria de ser. Não é, meu bem. Simplesmente, não é. Aliás, você é de uma fragilidade imensa. Nós dois sabemos que basta uma palavra torta em um dia nublado para você se desestabilizar. Quase um bibelô. Calma, eu não estou dizendo que você não é forte. Apenas quero que entenda que em alguns momentos você vai e deve desabar. Todo mundo passa por isso, querida. Você também. Quando desabamos o mundo imediatamente gira. As coisas saem do lugar, o comum se desequilibra e pronto. O universo abre brechas com várias possibilidades. Podemos ficar na mesma, ou dar fim no entulho do desabamento e recomeçar com casa limpa. Não é você que gosta do novo? Desabe, Mel. Desabe. Você não é a mulher maravilha. Desista. Um saco isso. 

Não entendo essa sua mania de querer dar o que  não tem. Por que se cobrar tanto? Por que achar que precisa sempre fazer o melhor? Por que se preocupar desmedidamente com as pessoas? Relaxe. Seja o que der. Faça o que puder. Sim, faça bem feito. Mas não pense, nem queira fazer além das suas possibilidades. Preocupe-se, mas não esqueça de você. Você acha mesmo que todas as pessoas da sua convivência se preocupam com você da mesma forma? Que tola. Você tem duas possibilidades: permanece se preocupando, se doando e esperando que devolvam o mesmo para você. Ou, permanece se preocupando, mas vivendo independente de um sorriso que as pessoas podem ou não te dar. Faça e seja por vontade. Por sua vontade, viu? E deixe que os outros façam e sejam o que quiserem, inclusive nada. 

Você já se acha uma mulher, não é mesmo? Se acha madura o suficiente, coisa e tal. Desculpe, mas você está longe de ser, viu? Bem longe. Faltam muitos pratos de feijão com arroz para que você seja essa coisa toda.Tá, eu sei que você é bem madura para sua idade e principalmente para seu contexto, mas não é a mais sabidinha, a mais consciente, a mais centrada. Você não é a Sandy, minha filha. Você não é, nem nunca será uma menininha tocadora de piano, que usa meias brancas com bordados rosa bebê. Você é a moça que pinta os olhos de preto e que acha bonito o efeito do rímel escorrendo no rosto depois de um choro. Você é saia rodada e pé no chão. Você não é música clássica. Nunca será. Você é conhaque com mel e limão. Não se comporte como a Sandy. Não me envergonhe. Você não só pode, como deve errar. Várias vezes. Erre muito e assuma. Erre e aprenda. Depois esqueça. Você pode ser o que quiser, mas você não deve se julgar pelo que foi ou fez de acordo com sua vontade. Esqueça o passado. Relaxe quanto ao futuro. Se esbalde no presente. Continue usando rímel e delineador. E chore, quando for necessário. No seu quarto, viu? 

O mundo é feito de pessoas superficiais e outras intensas. Você faz parte do último grupo e eu sei o quanto isso lhe dói. Não deveria ser assim, Mel. E lhe digo mais: você não vai mudar. Vamos ser práticos? Orgulhe-se de viver as coisas e as pessoas com essa verdade latente. Orgulhe-se até mesmo da decepção que isso lhe causa. Você percebe o mundo e as coisas ao seu redor de uma forma diferente e por isso sofre. Você sente as pessoas de uma forma diferente e por isso se decepciona facilmente. Mas o que seria a decepção se não uma das coisas mais necessárias dessa vida? A decepção é a prova dos 9 da imperfeição. Eu sei que você detesta coisas perfeitas e por isso lhe digo: entenda a decepção como o ponto que faltava para a imperfeição existir. Eu sei, eu sei que algumas decepções são doídas. Eu sei que batem em você como um tapa estalado em suas bochechas, mas você tem a capacidade de extrair o melhor. Se esquive, receba os tapas, dê seus pulos, mas entenda: até que você morra, sempre haverá uma decepção guardadinha para você.

Cada vez que você bater uma porta de uma história de amor, paixão ou qualquer coisa que o valha eu sentirei muito orgulho de você. Acredite. Eu serei quem mais se orgulhará da sua decisão porque vejo nos seus olhos de menina-mulher o querer. Sei o quanto é difícil para você deixar ir o que você gostaria de dar amor. Ao que me parece está na moda essa coisa de desapego, não é mesmo? Será que na prática acontece do jeito que as pessoas dizem? Não sei. O que eu sei é que você nunca conseguirá seguir modas, tampouco deixar de nutrir apego a alguma coisa. Essa é a verdade, Mel. Aceite. Ou se mate. 

Por falar nisso, deixe eu lhe dizer uma coisa: você foi otária naquela última história. Otária mesmo. Encheu o peito e a cabeça de expectativas, recebeu incentivo de partes envolvidas e acreditou. Veja bem, eu disse que você foi otária, mas não me queira mal. Você foi otária por acreditar e nem eu, nem Deus, quiçá esses humanos que você se envolve podem te julgar. Você acredita nas coisas de um jeito que dá medo. Acredita tanto que até a levianidade alheia escancarada te engana. Otária, né? Relaxa. Tudo passa. O tempo resolve muita coisa e o mundo dá voltas. Nada mais será como antes. Você nunca mais será a mesma depois de todo esse quiproquó. Aliás, cê tá mais mulher, viu? Se apegue nisso e espere o carro de limpeza pública passar na sua rua. É, jogue o resto no lixo. Serve pra alguma coisa? Muda alguma coisa? Melhora sua vida? Enfeita seu quarto? Jogue fora, minha filha. É isso ou você vira uma otária deprimente ( o contrário do que você foi antes).  E aí? 

Você foi ridícula ao dar ao outro mais importância do que a você mesma. Ridícula. De uma forma que só os ridículos de amor são. Passou, baby. Volte para o seu lugar. Esse é um jogo de xadrez e você é o Rei. O jogo acaba quando te capturam, mas veja bem, aqui você decide se isso acontece ou não. Você é o Rei numa versão mais ostentosa e poderosa. Não esqueça disso de uma próxima vez. Ou esqueça e se ferre. Depois não diga que não lhe avisei. 

Não desista de ser muito amor, Mel. Nunca mais diga que gostaria de ser fria. Nunca mais queira sentir de menos. Nunca mais diga que não existe vantagem em ser de verdade. Pare de mentir para você mesma. Vai dizer que não quer mais viver com o coração estendido em uma das mãos? Você mente mal demais. Vai morrer sendo isso aí, viu? Desista. Deixe de ser besta, aceite a condição e viva. É corajoso ser assim. É fora do convencional. É bonito. É você. Ponto final.

Bom, finalizo essa carta esperando que você tenha entendido o que lhe disse. Não quero precisar escrever-lhe tão cedo. Se cometi alguma grosseria, perdoe-me. Não havia outra forma de ser. Se você quiser jogar essa carta fora eu não vou me importar. Problema seu. Se guardar será útil. Estarei sempre aqui, para quando você precisar. Não hesite em me chamar. Continue amando. E se chorar, beba as lágrimas. 

Forte abraço, querida.

Ass: Sua Racionalidade.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Um filme no close pro fim.


Senta aqui. Deixa eu te contar uma coisa. Ontem eu estava arrumando as minhas coisas e em um dos meus livros encontrei você. Foi uma surpresa. Não sei se boa, tampouco parei para pensar sobre. Achei engraçado te encontrar dentro de um dos livros que mais esteve comigo no verão passado, bem quando você surgiu. Fazia sol e o calor da estação se confundia com o que você provocou em mim. Eu queria sair para sentir a brisa, para beber uma cerveja e deixar a mente suave, para falar bobagens com meus amigos em uma tarde qualquer, ou até mesmo para tentar te encontrar em uma das ruas que sempre andamos, mas que antes e até mesmo agora, nunca nos encontramos. 
Era verão quando eu abri portas e janelas e quis que você entrasse junto com a brisa. Mesmo sem saber se era isso que você queria. A brisa poderia passar, mas você não. Eu queria você. E, munida do meu desejo, eu deixei várias coisas para mais tarde e quis ficar suspensa e confortável numa bolha furta cor que criei para nós dois. Porque no verão passado eu era puro querer. No verão passado eu quis me apaixonar por você.

Veio o outono.

Não lembro da passagem entre uma estação e outra. Lembro da ausência do calor e do presságio de um frio intenso. Era o tempo dizendo o que aconteceria com nós dois. Eu sempre falei para você sobre a minha intuição, lembra? Pena que eu tapei os ouvidos para ela várias vezes. Ignorei seus sussurros na madrugada, quando eu perdia o pensamento em você. Deixei passar seus alertas quando eu me empolgava com qualquer tipo de atenção que você me dava. Era eu vendo o termômetro subir sem que ele estivesse funcionando. Era eu acelerando um motor gasto e sem poucas possibilidades de funcionar sozinho. Me abasteci de coragem, abracei o meu querer e acelerei com força. Era eu fazendo ligação direta ou qualquer coisa que o valha, para ver se o calor voltava. 
Ainda era outono quando eu fiquei dando voltas na bolha furta cor para ver se em algum momento eu conseguia entrar novamente e te puxar para ficar comigo. O inverno estava por vir e o querer do verão já havia se concretizado em mim do fio de cabelo a ponta do pé : eu estava  apaixonada por você.
Você fazia menção de vir e eu já montava nosso conforto e me vestia do meu mais rubro querer. Mas você não vinha. E eu permanecia querendo que viesse. Foi quase no fim do outono que estivemos mais próximos, ainda que distantes. Você reparou nisso? 
Decidi andar a pé. O intuito era me cansar bastante e te deixar em alguma esquina, mas você não ficava. Parava ao meu lado quando eu menos esperava , ou eu mesma te trazia de volta num fim de tarde, quando eu queria que você me desse apenas dois minutos da sua atenção. Você não estava, mas eu queria que estivesse. Você não chegava, mas eu te puxava pelo pensamento. 
O outono estava acabando e eu me cansando. Foi no outono que eu decidi que era preciso deixar de te querer.

Veio o inverno.

Lembro bem da passagem entre as estações. Eu me sentia mais leve por ter conseguido assumir para mim mesma o que eu estava sentindo e pela decisão em sair de cena. Algumas poucas pessoas também souberam e, ter tornado "público" o meu estado de espírito foi de grande importância. É que eu derrubei muitas barreiras impostas por mim mesma para chegar até aqui, nesse ponto em que consigo externar, ainda que por um olhar, o que eu sinto. Eu tinha uma paixão e não poderia alimenta-la. Eu tinha um querer e tinha que guarda-lo. Eu queria você, mas não deveria. Você me queria? Eu nunca te perguntei isso, não é mesmo? Nem deveria. Há muitas perguntas e respostas que nunca daremos um ao outro. Nasceram e morreram no instante em que deveriam ter acontecido. 
No começo do inverno eu pensei em parar de andar a pé e fazer reparos naquele motor velho e gasto. Desconfiei que ainda havia um pouco de coragem e querer. Mordi a língua. Era você mexendo com minha estrutura novamente. Era o verão tentando desfazer o inverno. Tapei os ouvidos para intuição e deixei ser. Você sempre conseguiu me fazer mudar de ideia.

Foi diferente. 

Não senti o calor de outrora, tampouco quis morar no seu abraço. Já não havia mais vontade de ficar contigo na bolha furta cor. Havia um pouco de desejo e só. Eu não conseguia focar no todo porque algo novo se mostrava diante dos meus olhos: você não era mais o mesmo que me tirou o prumo. 
Foi no inverno que eu te enxerguei em detalhes nítidos. 
Todas as coisas ditas e vividas pareciam distantes e impróprias. Um abismo entre nós. Aquele "estranho" em minha frente desfazia com uma ou duas frases qualquer lembrança bonita do verão que passou. Talvez você sempre tenha sido isso que eu consegui enxergar mesmo com as lentes embaçadas por conta do frio. Talvez eu tenha embaçado as minhas lentes no verão para não te enxergar diante do sol. Talvez o impacto fosse maior. Talvez o cinza do inverno seja mais confortável para essas questões. Talvez você tenha escolhido ser agora o que sempre foi, mas que não quis me mostrar por questões que eu desconheço. E que também não tem mais importância saber. 
Foi no inverno que eu descobri que o que não foi, não é. E que a minha intuição não falha. Que eu escolhi o frio ao quente. Foi no inverno que eu peguei uma agulha prata e finalmente estourei a bolha furta cor. Respingou em mim o brilho e o calor que existia dentro dela. Que bonito o que eu criei. Quanto de mim estava ali? Quanto querer eu poderia dar a alguém? Quanto amor eu carregava comigo? Senti apreço por mim mesma. 
Fazia frio quando eu peguei o motor velho e gasto e o joguei no mar. Sem olhar para trás. Não sei nadar. Não tenho como voltar para buscar. Foi no inverno que eu decidi começar a andar de bicicleta. Tanto faz que eu pegue um resfriado ou outro. Que eu caia e fique com alguns machucados. Farei o meu caminho pedalando com a cabeça fria, o pé quente e o coração bombando. Sempre. Na cesta levarei flores e alfazema. Falta um tanto, mas já vejo vir vindo a primavera. Mais um pouco e chega o verão. Nada será como antes. Nem eu, tampouco você. Ficaremos colados na parede da memória, como retratos amarelados de um instante que passou. E que não voltará.

Hoje, antes da aula, deixei propositalmente o livro em um dos banquinhos coloridos da universidade.  É que eu não quero mais o passado.  Eu não quero mais você. 

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Matematicamente falando.




- Toma, isso é pra você.
- Pra mim?
- É, pra você mesmo. Pegue, se quiser.
- Tem certeza?
- Claro! Pegue. É seu.
- Mas eu...
- Que foi? Não quer?
- Eu não sei. Pode ser.
- Hum...
- (silêncio)
- Por que me dar isso?
- Porque eu quero, ué.
- (silêncio)
- Tudo bem, relaxa. Não tem grilo. "Pode ser" é muita coisa. Uma infinidade de coisas, aliás. Deve existir generosidade nisso. Ou não.
-  Hum...Eu posso ver?
-  Pode ser.
- Você está devolvendo o que eu disse?
- Tô devolvendo o que é seu. Não é seu? Minha mãe sempre disse para não ficar com o que não era meu. Então.
-  Mas você disse que "pode ser" é uma infinidade de coisas. Não me pareceu ruim. Aliás, não me parece ruim para ninguém.
- Sim, eu disse. E repito. Mas veja bem, eu quero apenas uma coisa. Olha que simples! Porém,estamos em desequilíbrio de oferta. Entenda, seu "pode ser" deve ser muita coisa, mas não pra mim. Seu muito pra mim é pouco. Seu "pode ser" pra mim são dois grãos de areia em um copo d'água. Dois centímetros da régua. A matemática alerta: trata-se de uma equação complexa. Odeio matemática.
- Calma, não precisa ser assim também.
- Que nada, relaxa. A gente só pode dar o que tem. Guarda bem o "pode ser", tá? Vai servir. Nossa, lembrei de Trigonometria.
- Você tá indo embora?
- Estou. Preciso resolver umas coisas.
- A gente ainda se vê? 
- Ah, sim. Pode ser.
- Você tá fazendo de novo...
- Qual é o quadrado da hipotenusa?
- Fala sério, por favor.
- Lembrei! A soma do quadrado dos catetos!
- Heim? O que isso tem a ver?
- Eu sou soma e multiplicação. Você é apenas subtração.
- Isso não é verdade. Você está viajando.
- Prove o contrário. Pegue lápis e papel e me convença.
- Eu odeio matemática.
- Pois é, eu também. Prefiro Humanas. Vou indo. Aquele abraço!

Pense, pule, sinta, fale, meu bem.


Outro dia desses eu estava à toa na vida vendo a banda passar falando sobre diversas coisas, inclusive o amor, quando me peguei contando quantos pensamentos eu tinha por segundo. Em uma média matematicamente i-lógica contabilizei cinco pensamentos para cada dois segundos. Todos em paralelo, ordenados por ramificações que nenhum arquiteto ou engenheiro conseguiria transpor na materialidade. Vejo, penso, sinto. Nem sempre nessa ordem, mas sempre com os sentidos aflorados. Às vezes na maciota, noutras numa velocidade absurda que resulta em espasmos na cabeça. 
Eu penso pra sentir dor e, também, para dar fim na mesma. Penso para rir, para chorar. Penso para resolver, mas quase sempre para confundir. Eu penso. E nem sempre transmito o que a minha máquina supersônica constrói em milésimos de segundos, seja por não dar tempo - um pensamento engole o outro que não espera ver o próximo nascer - seja por, sei lá, receio. " Não te dizer o que eu penso, já é pensar em dizer. " Acontece de travar, da timidez me abraçar e eu ficar muda.  Como dar de bandeja para o outro o que eu mesma desconheço? E se a pessoa não entender, ou entender errado?
O meu melhor amigo é mestre em provocar a ebulição do meu pensamento. Se nada digo, mas visivelmente sinto, lá está ele indagando: " Sim, e você acha o quê?" ou ainda " Você tem alguma coisa a dizer, não é? Fale logo." É sempre assim, me pegando de surpresa em um dos meus pulos efusivos na cama elástica da mente. 
Ontem, depois de tomarmos um suco de limão juntos, ele me enviou uma dessas mensagens de texto via celular com a seguinte indagação: " Você está feliz?" Demorei bem mais que os dois segundos que contabilizam cinco pensamentos para ordenar uma resposta coerente com a realidade. Como assim, feliz? O que ele queria dizer com aquilo? Eu não parecia bem? O que ele entendia por felicidade? Eu estava feliz? O que me faz feliz? A felicidade mora em relevos íngremes ou em terrenos planos e asfaltados? É preciso ir buscar ou cruzar as pernas e ver a banda passar também tem efeito? A felicidade é dizer não ou ficar esperando um sim? Mora aqui ou acolá? Eu mereço tê-la ou não?
Antes que eu pudesse rebater a pergunta de Eduardo com qualquer uma dessas outras, ele foi mais rápido e disse: " Seja direta, filha. Não pense demais. Se delongar o pensamento, não vai ser a realidade. Está ou não feliz?" Cortaram ao meio a cama elástica. Cai feito gato, com os pés fincados no chão. Não foi vácuo, mas sim, chão. 
O efeito da queda foi novo e excelente. Saltei, senti e falei. Ao contrário do comum, não foram cinco pensamentos em dois segundos. Eu só gastei meio segundo com um pensamento: Estou suave na nave. Embora rolem algumas turbulências, tomo a reta e sigo deslizando rumo ao que eu sei que existe. Ao que eu já projetei na mente diversas vezes e que, algo me diz que está na maciota, também deslizando suave na nave. E em minha direção. " E como será? O vento vai dizer lento, o que virá...!" E eu sei que, assim como ontem, não vai dar muito tempo para pensar. Foda-se. Já peguei a manha de pular como gato.

Pra ouvir: O vento - Los Hermanos.

domingo, 2 de junho de 2013

Da maior importância


Tocava Gal quando a verdade ensurdecedora tomou todo espaço do meu quarto e me fez colocar uma mão na cabeça e a outra na boca, dando aos dentes minhas poucas unhas, como costumo fazer quando não sei como agir. Era oficial: ali, naquele quarto com cheiro de incenso de alfazema, estava uma mulher apaixonada. Uma verdade é sempre uma verdade, mas eu não sabia como conceber aquela que havia chegado até mim de forma violenta e pesada. Apaixonada. Com todos as letras, rabiscos, traços, cores. Da agonia do não saber como agir ao prazer da plenitude que caracteriza o estado da paixão, decidi viver cada pedacinho dado como bem fosse. Quis ser kamikaze. E, inconscientemente fui.
Dei o que pude. Dei o bem querer todos os dias. Às vezes no concreto, noutras no pensamento que eu jurava que chegaria lá. E, com tanto querer, é bem certo que chegou. Talvez ele nem tenha percebido. Dei do meu jeito, com minha intensidade. Dei até o que não podia, mas se meu coração já estava lá, que mais não poderia? E, como um kamikaze iniciante, não tracei uma rota segura, nem verifiquei a possibilidade de cortar por outros caminhos. Apenas fui. Em cada ida, em cada curva em que eu precisei frear bruscamente doíam meus músculos. Inclusive o involuntário pulsante. A cada vento forte eu perdia o pensamento, o eixo e buscava o manual de pilotagem, mas não dava em nada. Eu nem conseguia ler. 
Por ironia do destino, foi Gal que tocou quando eu precisei fazer um pouso forçado. "  Foi um movimento que aí você não pode mais gostar de mim direito. " Não dava mais para ir além. Eu não tinha talento para kamikaze. Ele não estaria no alvo quando eu chegasse. Eu já estava pairando no nada sem ter percebido. Não foi ele, mas sim eu, que não tive mais pique e decidi não mais ficar. Não havia mais o jeito, o momento. Dei dois passos para trás. Porque eu ainda prefiro acreditar no disco voador e no que o escuro do futuro pode nos dar. Talvez, um pequeno momento puro de amor. Ou não. Ou ele já passou. 
Certo mesmo é que deve haver uma transa qualquer pra ele e pra mim. Quiçá até entre nós. E,mais ainda, certo é que há sempre um homem para uma mulher. "Há dez mulheres para cada homem" e aí ele até sai na vantagem, mas fazer o quê? "Uma mulher é sempre uma mulher". Eu aceito a condição de ser o lado sentimental vermelho rubro que vez por outra decide ser kamikaze, mesmo sem ter talento. Não faz mal. Eu sou assim e não quero mudar.
Não há o que ser cortado, esquecido, mal dito. Não tem rancor, nem desamor. Ele despertou em mim um sentimento lindo e forte que eu não esperava sentir tão cedo-  e que  não pertence a ele e sim, a mim. É minha a paixão. É meu o bem querer. " É tão difícil, tão simples, tão raro, de repente ser uma coisa tão grande, da maior importância." E ele foi.  Isso basta. 


Para ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=JWTQ6Eico8E

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Qualquer coisa dentro doida.


Passava das 3 da manhã quando a insônia fez um cafuné efusivo nos meus cabelos. Sempre que isso acontece eu penso em alguma coisa mística para fazer. Isso porque alimento a crença de que meu despertar no meio da noite não é por mero acaso. Despertei para despertar, para vislumbrar com óculos de lente lilás coisas que a luz do sol ofuscou durante o dia. Papo de gente esotérica. 
Lembrei que ainda não tinha lido o horóscopo do mês de Maio. Faço isso todos os meses religiosamente, acreditando no alinhamento dos planetas, na lua em Sagitário ou Escorpião e na influência disso na minha escolha entre almoçar  feijão e arroz ou comer um saquinho de jujubas numa quarta feira qualquer. Das quatro previsões lidas todas tinham um tema central que se repetia: amor.  
Segundo os astros o desenho da minha trajetória enquanto ser igualmente astral, mas habitante da Terra ,estava começando a ganhar traços sinuosos que lembravam um abraço. Da entrada na revolução solar, há uns 4 anos mais ou menos  desenrolei pelo menos 100 metros de um tear de linhas finas. Era preciso desfazer para por conseguinte refazer do jeito que bem me entendesse. Não estava proibido desfazer uma centena de vezes e refazer novamente. Eu só não poderia ficar parada. Teci uma colcha enorme que antes tinha um formato incerto, mas que agora parece um coração meio torto com braços abertos. As linhas de Saturno indicam o caminho da curva entre os montes que formam o coração. E não é que os astros estão mesmo certos? Nunca estive tão amor. Nunca senti tanto amor. Nunca quis tanto amor.
Rememorei os últimos acontecimentos, as últimas coisas ditas, feitas. Lembrei da sms mandada para Vitor depois de lembrar dele com uma saudade doída enquanto ouvia Marisa Monte tocar no rádio do ônibus. Lembrei da vontade imensa de abraçar minha mãe espiritual e deitar a cabeça no colo dela. E lá ficar. E lá morar. Lembrei do abraço de Lira, uma menina de uns 11 anos de idade que conheci no fim de semana retrasado. E quis ganhar aquele abraço de novo. Lembrei dos olhinhos de Juan, um dos alunos que tive e que me fazia chegar em casa chorando quase todos os dias. Porque eu queria cuidar e não podia. Queria fazer mais, bem mais e era impedida. 
Lembrei do "eu te amo" que Dudu me disse antes de sair para uma festa em que eu não quis ir. Nunca dantes aquela frase soou tão forte para mim. E eu quis ouvir de novo, sentir o agudo sonante do amor de irmão. Lembrei da expressão do rosto de Matheus quando lhe surpreendi com um mimo. O sorriso dele sem jeito que me fez rir . Deu vontade de dar vários outros mimos só para ver a mesma cena e sentir o querer bem novamente. Lembrei do email carinhoso escrito para um dos meu professores parabenizando-o pelo aniversário que não pude comparecer. Do abraço dado nele dias depois e da frase que ele me disse com uma entonação bonitinha : " Hellen, você é uma menina massa!".
Lembrei de Pietro batendo na porta do meu quarto na noite retrasada e dizendo que queria dormir comigo. Da risada gostosa que ele dá quando brincamos juntos. Do abraço apertado que dei em minha mãe e da alegria dela em comemorar o seu aniversário com a casa cheia. Lembrei de mais um tanto de coisas já vistas e sentidas misturadas as outras que eu ainda desconheço, mas que com certeza viverei. Parece louco dizer isso, mas a coisa está tão latente que estou botando para fora e engolindo de volta só para não desperdiçar. A quem julgo merecer e se destina a receber dou doses inadvertidas dessa minha ebulição sentimental. Ao resto olho de lado, dou um sorriso e deixo passar. Tanto faz. Tanto fez. Estou bem alimentada e protegida pelo que de melhor tenho.  E que assim seja e permaneça. 

domingo, 28 de abril de 2013

Só dura em liberdade.


Em uma cena de filme real: 





- Sabe, eu só tenho medo de me tornar uma pessoa fria. Apenas isso.


- Acho esse risco mínimo. Você é amor. Mais do que supõe. Você não sabe o quanto tem, doa e transmite de amor.  Tem amor no seu olhar. Inclusive, foi por amor que você deu tchau, lembra? Você não se afastou da sua paixão porque é fria ou medrosa. Você se afastou dela porque você é amor. Desatou um laço, abriu mão, deixou ir, desapegou. Quer coisa mais amor que isso? E a vida é linda nesse sentido, meu bem. Quando ela demora de nos dar quem a gente merece ela dá umas paixões loucas, umas histórias sem pé nem cabeça, muitos amigos, momentos lindos. E a gente vai se segurando nessa esperança, seguindo firme. E se esse tal amor-Bethânia não pintar a gente olha pra nossa vida e vê que tem tanta coisa linda que ela vale assim mesmo. Porque a gente é amor. Porque enxergamos a vida através do amor.

Silêncio na sala. Lágrima na almofada lilás. Abraço de amor.


Próxima cena.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Das coisas que a gente descobre no meio do caminho.


Quando você começa a virar " gente grande" ninguém te avisa que  você vai mais  abrir mão do que receber.  Ninguém te conta que esse processo de dar e, quem sabe, com muita sorte receber é doloridinho. O problema é seu. A dor é sua. Se você ganhar alguma coisa bom, pode ser que ela  seja sua. Mas a verdade é que não existem mais certezas como a hora certa de ganhar o lanche ou de ir para escola. Tudo flui numa dinâmica própria. Você deve se adaptar.
Ninguém te explica o fundamento do não, mas te doa vários ás vezes falando na sua cara, noutras de boca fechada com um olhar ou uma ausência. Um sim pode até ser seu, mas um não toda vez em que você receber vai ficar entranhado de uma forma inesquecível. E, por mais que você já tenha recebido vários, o último sempre parecerá mais devastador. Mas ninguém vai se importar com isso por motivos de: todo mundo recebe. Por que você não receberia?
Não espere que o mundo entenda seus momentos mais frágeis. Foi-se o tempo em que você chorava e todas as atenções se voltavam para a sua pessoa. Você pode até chorar. Aliás, você deve chorar. Do contrário é infarto na certa. Mas a questão é que as pessoas ao seu redor estão deveras ocupadas experienciando suas vidas e, quem sabe, até mesmo suas próprias fragilidades. Logo, elas não possuem tanto tempo para cuidar das suas. Não é maldade, nem nada do tipo. É o correr da vida. Você precisa aprender a se virar.
Ninguém vai te contar que vez por outra você vai sentir vontade de fazer muxoxo e bater o pé, mas que vai ter que se conter. Pior: que banir esses gestos incomoda mais que calo nos pés por conta um tênis apertado. Você vai vivenciar momentos em que um muxoxo não resolveria, mas faria bem. Só que não vai poder fazer. E mesmo que faça escondido, não terá o mesmo efeito. Isso não cola mais. Ninguém se importa com seu muxoxo. Exceto você.
Você vai descobrir que São Tomé era, sempre foi e será o cara. Vai entender que promessa boa é a que se concretiza bem debaixo dos seus olhos. O resto é balela. Isso inclui as suas próprias promessas, dentre outras coisas ditas, afirmadas. Mais que isso, vai aprender a conviver com a não concretização do que se esperava. E vai doer. Porque decepção machuca, mas o bom é que  até hoje eu nunca ouvi dizer que mata.
Não espere que alguém te conte ao pé do ouvido que em certos dias você vai querer ter muita gente por perto, mas que ideal mesmo será ficar só. Ninguém te conta que suas escolhas não serão mais tão simples como decidir entre o algodão doce rosa ou lilás. Já era, meu bem. Pegue seu belo livro, uma xícara de chá, um cobertor e viva. Você também pode morrer se quiser, mas dá trabalho.
Ninguém vai te contar sobre as energias pesadas oriundas de pessoas que enxergam em você uma ameaça. É estranho falar dessa forma, soa pretensioso, mas é bem real. Você só compreenderá o que é isso quando observar mais as pessoas. É cansativo, mas é isso ou você viverá numa montanha-russa violenta. Energia tem força. As pessoas têm força. Você também. Só que ninguém te ensina a usar antes de você precisar ter.
Acostume-se com a necessidade de repensar o que já fez e o que poderia ter feito. Ao menos uma vez no dia você fará o desenho da sua trajetória em questão de segundos. Vai querer apagar, mas certo mesmo é deixar seu rastro. O que já foi não volta. É sempre para frente e, claro, para os o lados que se olha. Você vai entender a necessidade do daqui para frente. E se for muito sagaz nunca dará adeus. Em todas as vezes que tropeçar vai perceber que pode se sustentar em você mesmo para levantar, limpar os joelhos, respirar fundo e recomeçar. Porque crescer é um processo contínuo de subidas e descidas sinuosas e intuitivas. Ninguém te explica, ninguém te conta o segredo, tampouco esclarece suas dúvidas. A única certeza é que invariavelmente você aprende. E cresce.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Ainda bem que eu acordei.



Dia desses tive um sonho deveras estranho. Sonhei que estava apaixonada, imersa em um estado de graça que sublima qualquer rastro de razão e faz germinar vigorosos suspiros de emoção. Eu estava bonita, vistosa, como essas pessoas que saem rindo por aí sem motivo aparente, cantando músicas de melodia doce e vendo graça nas coisas mais sem graça que existem no mundo. Coisa bonita de se ver.
No sonho, o meu amor era misterioso e isso me fazia ficar ligada a ele de uma forma intensa. Às vezes perto, às vezes longe. Por vezes parecia meu, noutras de todo mundo. Mas eu permanecia dele. Mesmo ele não sabendo e quem sabe, até mesmo não querendo. Me ensinava que desapego deveria ser desmedido. Das coisas, das pessoas, dos momentos. Como um exímio professor de gramática, me ensinou a conjugar o verbo desapegar em todos os tempos. Quando eu parecia querer me afogar nos seus braços e morar no seu calor ele me reprimia e dizia solenemente: de-sa-pe-gue. E eu, como boa aluna, aprendia. Internalizei o verbo, os tempos, as sílabas, os fonemas. Aprendi.
De maneira doce ele me ensinou a ser fria e calculista. Dizia em linhas tortas  que amor de muito era bom, bonito, mas que poderia esperar. Que o relógio certo só tocaria a hora certa, no momento certo. E, claro, com a pessoa certa. Que empecilhos idiotas serviam para explicar falta de querer. E que não havia mal algum em usá-los sempre que fosse necessário. Que ser atenciosa não estava com nada e bom mesmo era deixar no vácuo.
Meu amor me ensinava que, na brincadeira de se envolver, quando o carinho fosse grande o suficiente para se tornar em algo tão pesado que precisasse ser doado, era hora de pedir dois autos. Assim, bruscamente. Friamente. Como quem decide que não quer mais dormir do lado direito da cama. E eu aprendia. Ditava no meu ouvido que tanto fazia estar ou não. Que depois não existia. Que o agora era importante em certa medida e que ontem eu nem deveria lembrar. Que fragilidades deveriam ser escondidas. Que carência até existia, mas que poderia ser resolvida de maneira objetiva. Que demonstrações de afeto eram bonitinhas, mas digamos, desnecessárias. No máximo serviam para rir ou resultavam em um " que bonitinho". Ele não entendia quando eu ficava desnorteada, indecisa. Apenas debochava. E eu, como boa aluna, aprendia que certo mesmo era fazer como ele ensinava.
Rindo sarcasticamente ele me ensinava a ser menos romântica. Sua didática consistia em debochar dos meus momentos  doces como forma de me dizer que nada daquilo valia a pena. E eu aprendia. No sonho, parecíamos cheios de afinidades. Ou melhor,um de nós queria que afinidades fossem o elo propulsor de quem sabe um amor. Era eu tirando os óculos para não ver que na verdade éramos opostos gritantes. De um lado querer demais, do outro querer de menos. Mesmo assim eu insistia. Bloqueei todas as minhas portas e janelas de querer. Nada entrava, muito menos saia. No sonho eu me tornava uma espécie de cria do meu amor. Eu era ele em fase de aprendizagem avançada. Fria,  distante, desapegada, calculista, impessoal, insensível, desfocada. Incapaz de dar e/ou receber amor. E, mais que tudo isso, covarde. 

Acordei sobressaltada. 

A respiração ofegante, o coração acelerado e a necessidade de concatenar as ideias de forma rápida e precisa para que ficasse claro que tudo aquilo não passava de um sonho. Ou, quem sabe, um pesadelo. Coloquei as duas mãos na cabeça no intuito de me situar no tempo. Quis ler Freud e encontrar um significado para aquele sonho. Não era eu. Jamais poderia ser eu. Não há a menor possibilidade de um dia eu ser tudo aquilo que o meu sonho projetava. Lavei o rosto com água gelada, me olhei no espelho por alguns minutos. Nem nascendo de novo eu seria daquele jeito.  Andei pela casa no escuro dando passos pesados enquanto repetia internamente que tudo aquilo não tinha passado de um sonho. Voltei para o quarto, peguei o celular para ver as horas, mas instintivamente fui direto na pasta de músicas. Busquei a que me interessava, deitei no travesseiro, coloquei a música para tocar baixinho e adormeci entoando para mim, para o tempo, para as pessoas, para o universo que não importa quem esteja comigo ou onde eu vá. Eu sou romântica. Me alimento de suspiros e dengos. Não sei medir querer e acho mesmo que quem mede não sabe sentir, tampouco viver. Ainda acredito nas pessoas, nos sentimentos, no destino, no músculo involuntário. Tenho em mim a sede de  amar. No tempo, no momento, no instante, no milésimo de segundo que passa ao piscar dos olhos. Eu sou amor da cabeça aos pés. E isso nunca vai mudar. 

sexta-feira, 19 de abril de 2013

E o que não foi não é.





Engoli seco o que eu tinha para falar. Desceu rasgando os meus caminhos, inflamando internamente as paredes do mundo que você não conhece. Que nem eu conheço direito, para falar a verdade. Fechei os olhos, respirei bem fundo, olhei para você, tentei balbuciar uma ou outra palavra. Não deu. Não vai dar. Não foi, nem será. Deixa estar. É que mesmo eu querendo muito dizer e tendo tomado coragem para fazer isso, você simplesmente não quis escutar. 

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Que uma nova mudança em breve vai acontecer.





Ontem quando eu fui dormir me peguei pensando no tanto de coisas que já fiz em 2013. No tanto de coisas que já fui, que quis ser e me conti, que gritei, que calei, que ri. É divertido perceber que em 4 meses eu já experienciei uma pá de sensações e que elas são apenas a pontinha de um iceberg imenso que quero dissolver. Suave.
Quando acordei hoje pela manhã parei na frente do espelho e olhei para o meu cabelo ainda bagunçado. Desde que eu decidi cortá-lo, há alguns dias não sou mais a mesma. Para além da mudança visual, estética, não me sinto mais a mesma. Me vi numa foto de um mês atrás e não reconheci a menina de agora. Ficou para trás um tanto que eu não saberia quantificar.  É complexo explicar a sensação de não ser mais o que sempre foi com base em um cabelo. Soa fútil para os desatentos. Contudo, sempre que eu quis que uma coisa nova acontecesse na minha vida, eu mexi no meu cabelo. A intenção era concretizar a mudança. Acordar, tomar banho, me olhar no espelho e não ver mais a mesma. Outra. Um mundo de possibilidades. 
Eis que hoje, quando eu ainda constatava alguns traços de uma suposta mudança que se embaralhava ao que eu fui outrora, o telefone tocou. Era o convite para uma possível mudança. Como quem já esperava pelo chamado e o queria de forma intensa eu apenas disse "sim". E vou. E deixarei. E serei. E voltarei. Porque é de fluxos sinuosos e abundantes que sou feita. E nada, nem ninguém pode me amarrar.

" O que não disseram é que voltei diferente e que o meu agora é daqui pra frente. Nada me amarra. Passado é propulsão. Todos meus caminhos começam com o pé no chão."
 Ludov

terça-feira, 2 de abril de 2013

Carta sem endereço.

Querido George,

Escrevo essa carta para contar-lhe o que me aconteceu na noite passada. Pode ser que você não entenda metade do que  essas linhas dizem, mas mesmo assim achei por bem lhe enviar. Não se assuste, não se compadeça, tampouco queira responder. Não se faz mais necessário que me diga uma ou duas palavras sem sentido para parecer simpático e atencioso. Apenas leia. Ou não. Se preferir fazer dessa carta uma bolinha de papel para ser arremessada na lixeira, como num jogo de basquete, fique à vontade. Eu já conheço sua forma de brincar com as coisas e elas não me incomodam mais. Acho até que são apropriadas para você. No mais, de uma forma ou de outra o conteúdo aqui exposto chegará até você.

Pois bem, despertei no meio da noite com falta de ar e um incômodo na garganta. Não era vontade de chorar, de gritar ou de desabafar o que eu estava sentindo. Bebi dois goles de água e nada mudou. Permaneci sentindo a sensação estranha e aparentemente infindável.
Sentada na beira da cama, em meio ao escuro do quarto fitei o chão. Parecia imenso, incerto e gelado como o mar. Por instantes consegui sentir até mesmo o cheiro da maresia e a brisa que prenuncia o ir e vir das coisas. O deixa estar e o deixa ir. A água que outrora havia bebido inundou meu corpo, molhou meus cabelos e me fez fechar e abrir os olhos com força. Enxerguei ondas no chão do meu quarto. Indo, vindo, deixando, levando. Marolas que encostavam nos meus pés com meias. 
O incômodo na garganta crescia na intensidade das ondas que, a essa hora, já batiam no meu joelho. Em alguns minutos eu estaria submersa no mar que invadiu meu quarto e aparentemente não havia muito a ser feito. Decidi pular. Com as pernas entreabertas olhei para o fundo do mar e senti os pelos do corpo arrepiarem. 
Quando vi a minha imagem refletida na água,  não pude evitar: vomitei você. Pernas, braços, cabelos, olhos, boca. Você. Coloquei para fora o que estava morando dentro de mim durante um bom tempo e que, só agora se tornara incômodo. Doeu cuspir o último fiapo , mas não porque eu queria que aqui ficasse. Ao te vomitar, ao colocar para fora você e tudo o que representou  eu também vomitei um pouco de mim. Lá se foi junto com você uma parte do que eu acreditava. Dói mais desacreditar do que te deixar ir. Dói mais não conseguir chorar, depois de tantas lágrimas involuntárias, do que saber que chegou o fim. Dói bem mais perceber que deixei de carregar metade da doçura de quem se doa sem pensar, do que lembrar que nunca mais trocaremos palavras afetuosas. Não é mais você, tampouco eu. Dói não saber quem será e se eu deixarei ser.
Contudo, é inegável o alívio que sinto. Embora você tenha levado um pouco de mim, e até então nem soubesse disso, me alivia perceber que nada de você ficou por aqui. Vomitei até o que eu não sabia que existia. Acabou, querido. Uma das ondas mais violentas levou para bem longe a última coisa que você me disse. Me esforço para lembrar, mas sem sucesso. É uma pena. Um dia, quem sabe, consiga rememorar tudo o que vivemos com aquele mesmo olhar de antes. Aquele olhar que você dizia gostar. Mas, por enquanto, é isso. Te cuspi no mar, querido. E, sabendo que as ondas levam e deixam coisas, contrariando até mesmo o tempo , não me iludo. Pode ser que nos encontremos novamente. Pode ser que uma brisa nos entorpeça e afete nosso querer. Ou não. Tanto faz. Indo, vindo, deixando ou levando nada será como antes.  Creio que você pouco se afete e possivelmente nem mude. Mas eu, meu caro, jamais me deixarei ser com você o que fui outrora. É uma pena, mas finalmente entendi que você não vale a pena. E te vomitei.

Até outro dia. Fique bem.

Com amor,

Lucy.

domingo, 3 de março de 2013

Sem nunca dar adeus.



Valentina despertou ao som de uma das músicas que embalaram sua breve história de bem querer. Não sabia ao certo a razão pela qual tinha mantido o despertador ainda com aquela canção. Já deveria ter trocado, substituído por qualquer outro bip que fosse capaz de a despertar sem lembranças, mas deixou ecoar pelos quatro cantos do quarto aquela música que anteriormente fazia sentido. Diariamente. O mesmo som sempre às 05:45 da manhã. Quando decidia dormir mais um pouco era obrigada a ouvir por duas vezes a canção que não deveria mais tocar. E, mesmo sabendo que alguma providência deveria ser tomada, lá estava ela rememorando cada pedaço da história, ao passo em que espreguiçava os músculos do corpo. Sadomasoquismo poderia definir.
Numa dessas manhãs ensolaradas que antecedem o outono e desafiam a permanência do verão, Valentina despertou incomodada. Havia algo de diferente no modo como abriu as pálpebras e fitou a parede. Embora antes estivesse dormindo, a sensação era de que esteve acordada por horas vendo um filme. Estava atenta, insone,  concentrada. Não precisou se espreguiçar. Não sentiu preguiça. Não bocejou. Não precisou arrumar os cabelos. O emaranhado que o lençol fez em suas pernas não a incomodou. Indiferente a tudo que estava ao seu redor, Valentina respirava tranquila, desfrutando de uma serenidade que somente o despertar pode oferecer. 
Nos olhos de Valentina haviam mais certezas do que dúvidas. As pupilas tinham em seu centro a imagem de uma estrada longa e vazia. Um milhão de oportunidades em um mesmo olhar, numa mesma estrada. Sabendo do tanto que já havia andando até alí, até aquela manhã despretensiosa não restava muita coisa a ser decidida. Seguiu andando em linhas tortas pela estrada a fora. Sozinha e empoderada em algo que ela não conhecia. Sem se espreguiçar saiu fazendo seu caminho. Sem trocar a música. Sem expectativas. Sem cansaço. Sem preguiça. Sem olhar pra trás. Sem dizer se voltava. Sem pensar no que poderia ser. Sem nunca dar adeus. E foi. 

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Eu e Frida.

Eu deveria ter entre 16 e 17 anos quando bati os olhos numa tela da Frida Kahlo pela primeira vez. Era uma tarde vadia pós escola e eu estava com um amontoado de revistas no colo para serem lidas enquanto o tempo passava e minhas obrigações estudantis ficavam de escanteio. A revista era da minha mãe e eu costumava lê-la para me sentir madura. Do horóscopo às matérias sobre sexo. Eu queria saber como uma mulher mais velha enxergava o mundo. Obviamente as lentes que as revistas mostravam nem sempre eram legais, mas isso não vem ao caso.
A matéria que falava da Frida tinha como tema mulheres a frente dos seus tempos. Isso por si só já me atraiu. Antes de qualquer texto introdutório havia um dos auto-retratos de Frida tomando a página inteira. Lembro de ter ficado uns 2 minutos olhando fixo para os olhos daquela mulher que até então eu nunca tinha ouvido falar, a não ser na música da Adriana Calcanhoto. O texto tratava em linhas breves sobre uma história triste e forte de uma mulher mexicana que amou demais, sofreu demais, sentiu demais. Engoli cada linha e voltei para tela. Mais uns 3 minutos de hipnose querendo entender aquela pessoa tão extraordinária e feminina, seus sentimentos, suas dores. Destaquei a matéria da revista e guardei no meu então diário confidencial. Me apaixonei por Frida instantaneamente e sabia que a partir daquele dia ela não sairia mais de mim.
No outro dia bati ponto na biblioteca da escola tentando achar algum livro, biografia, recorte de revista, qualquer coisa a mais sobre minha nova paixão. Nada. O bibliotecário nem sabia de quem se tratava. Meus amigos também não conheciam e a única saída foi entrar numa lan house - na época eu não tinha computador em casa e era feliz mesmo assim - e pesquisar. A paixão virou amor. Quando ganhei meu primeiro salário consistente comprei o diário e mais uns 4 livros dela. Moram na minha prateleira e são meus tesouros ,a herança mais querida que eu deixarei para alguém. 
Costumo dizer que sou filha da mulher que usava longos vestidos coloridos, colares, argolas  e flores na cabeça. A mulher que gargalhava pesado. Que dava amor vermelho-rubro em doses cavalares. Que bebia insanamente para curar a dor de um amor bandido. Que falava os mais pesados palavrões sem nenhum pudor. A mulher de estatura pequena que desafiava qualquer homem e que tinha na fala e no olhar um poder descomunal. Sou filha daquela que mesmo não podendo ter filhos sabia ser mãe. Nasceu mãe das pessoas que próximas a ela estavam. Frida adotava quem ela gostava com o calor que só um útero pode ter. Sou como ela. 
Até hoje eu nunca amei um homem ,mas tenho certeza de que o dia em que isso acontecer terei nas veias o mesmo sangue quente que Frida tinha. A mesma forma desmedida e própria de querer bem a alguém que os olhos perceberam ser merecedor. Mesmo que depois o fel da desilusão deixe claro o contrário. Terei o mesmo despudor em falar sobre meu amor para que eu mesma e o mundo não esqueçam do que eu senti. Usarei batom vermelho para combinar com a cor que terei como cenário. Certamente jogarei algumas garrafas na parede para amenizar uma crise de ciúme. Exigirei lealdade, bem mais que fidelidade, mas não perdoarei toda e qualquer traição. Como Frida, como filha dela, darei  o que de melhor tenho esperando receber o mesmo. Porque é de amor que essencialmente somos feitas. E só isso nos move. Só isso nos interessa. 

domingo, 17 de fevereiro de 2013

O que sobrou de ontem

Ontem eu fui dormir com a cabeça fervilhando. Meu travesseiro mais parecia uma imensa fogueira com chamas altas que abraçavam meu cérebro. Queimei o juízo o bastante para que o estado de latência chegasse e, enfim, eu adormecesse. Não há nada de errado, mas há coisas a serem resolvidas ou melhor, (re) definidas e talvez esse seja o momento mais oportuno. 
Já faz um bom tempo que percebo o movimento do redemoinho avisando que mais dia menos dia, querendo ou não, estando pronta ou não, tendo cartas na manga ou não avançarei algumas casas nesse jogo sem regras fixas que é a vida. Pode ser que eu retroceda também, mas aí caberá a mim decidir se viro a mesa ou se dou a vez para meu oponente. Não darei. Não peço para sair.
De tudo que foi vivido até aqui não restam arrependimentos. Na verdade, existem até alguns, mas prefiro minimizá-los. Se não for maior que eu em minha pequeneza de estatura, não tem importância. Não vou me preocupar. Das incertezas diárias tentarei suprimir a angústia do não saber e me deleitar na montanha-russa do será. E que seja. Das certezas pinçarei a retidão do querer saber e  aceitarei a condição de que nada nem ninguém é conhecível o bastante. Nem eu mesma. Quem quiser e achar possível me conhecer por completo que dê seus pulos. 
Voltarei a usar óculos. Não assumir a minha miopia me proporcionou lentes embaçadas. Quero ver melhor não os detalhes, mas o conjunto das obras.  Me parece mais justo e saudável. Melhorarei o meu olhar sobre as pessoas. Que sejam como são e que eu seja o que eu sou. 
Farei uma faxina no meu altar. Doarei alguns berloques e laços que mantenho guardados. Estima não deve ser confundida com comodismo barato. Se não movimenta, não serve. Desapegando do que julgo ser meu ou que, na intensidade do querer abraço forte, deixarei ir o que não deve ficar. Sem tchau.
Viverei cada pedacinho dos segundos da intensidade do momento. E quando eu piscar os olhos e perceber que já foi, estarei mais uma vez pronta para viver de novo. Tanto faz que seja o novo ou o mesmo de antes. O que vai valer é o sentir.
Aceitarei a condição de que sou água de cachoeira e correrei macia por onde for. Não tendo outra forma de viver a não ser essa que é minha essencialmente, desaguarei entre as pedras que aparecerem e deixarei brilhante a areia que eu venha a banhar. Nunca parada, tampouco turva. Límpida, serena, por vezes intensa, mas fluída. 


sábado, 16 de fevereiro de 2013

O dia em que eu fiquei sem saber o que dizer.

Quando a minha mãe rememora as lembranças da minha infância sempre é citado o fato de eu ser uma "menina respostinha". Orgulhosa, ela conta que, mesmo quando parecia impossível que eu conseguisse me desvencilhar de uma pegadinha de algum adulto brincalhão, a resposta surgia como um flash. Quase que pronta. Parecia ensaiado em casa ou coisa de uma criança robótica, mas o fato é que meu pensamento parecia correr um pouco mais rápido do que o desenrolar da própria situação. E, sendo criança, havia a liberdade e a falta de pudor. O máximo que poderia acontecer era levar um esporro.
Com o passar do tempo a velocidade do pensamento aumentou na mesma intensidade dos pudores. Falo menos do que eu penso como um mecanismo de defesa. Minha e dos outros, claro. Obviamente, essa filtragem do que eu devo ou não falar não acontece com todo mundo. Com quem eu confio e me sinto à vontade não há peneira. Solto todas as loucuras possíveis no intuito de abrir espaço para outras. E, quando todos estão ocupados ou eu acordo introspectiva, escrevo e expurgo. Nada fica muito tempo tomando espaço na minha cabeça.
Dentre as pessoas que mais converso e despejo meus pensamentos está Eduardo. Não há um só dia que não troquemos alguma palavra, fofoca ou simplesmente transmissão de pensamento. E, sempre falamos bobagens rindo, seriedades rindo, resolvemos nossas questões de gente adulta rindo. Não é que não levemos a sério as coisas ou pessoas, mas rimos porque assim parece mais leve e divertido viver. Daí que hoje em meio a uma conversa aparentemente despretensiosa sobre questões acadêmicas ele resolveu falar sério. A princípio e, como de costume, ri e dei uma das minhas respostas rápidas. Mas, contrariando a minha expectativa de que aquela seria mais uma conversa divertida, ele começou a falar sério sobre coisas que, somente sendo tão amigo do outro a ponto de sentir junto, alguém poderia entender. Não tive uma resposta para dar.
Lendo as mensagens e ouvindo o meu sobrinho gritar junto com o desenho animado, misturei o riso de outrora com um nó na garganta e umas lágrimas que brotaram sem eu perceber. Busquei mais uma vez por uma resposta e não achei. As máquinas do meu pensamento pararam de maneira brusca e irremediável. Fiquei calada, estática, com os olhos vidrados no celular que, a esse momento, já se encontrava levemente encharcado. 
Na incapacidade de dizer algo mergulhei fundo no pensamento a fim de buscar não uma resposta, mas qualquer outra coisa que servisse para o momento. Achei um espelho, um dos tantos que carrego comigo e me fitei por alguns instantes. Nos olhos marejados haviam algumas verdades: sei menos do que acho saber, pretendo menos do que posso fazer, sou mais do que o meu próprio olho e os demais podem ver e vivo menos do que deveria viver.   Sendo ele tão amigo e querido por mim, o emprestei meu espelho. Na falta de respostas, que brotem serenamente as verdades que só o silêncio pode dar. E que mesmo calados estejamos sorrindo. E juntos. 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Para Gabriela.


Eu nunca vou esquecer o dia, o lugar e o motivo que me fizeram conhecer a Gabriela. O Orkut parecia sem graça e impessoal quando a menina simpática trocou uma ideia comigo. O tema: Los Hermanos. Não teve jeito. Alí, naquele lugar improvável, com a nossa banda preferida como temática e trilha sonora nasceu uma amizade. Jamais esquecerei o dia em que a chamei de irmã pela primeira vez, a certeza do " eu te amo", as milhares de confissões, choros, risadas e emoções partilhadas até aqui. Gabi faz valer aquela história de que "família é quem você escolhe pra você". Não é da boca para fora. Somos mesmo irmãs.
E lá se vão quase 10 anos de cumplicidade. Muito embora a distância seja nossa inimiga nos momentos em que um abraço, ou uma companhia na gargalhada antes de dormir se fazem necessários, estamos juntas. Quando a necessidade de um desabafo aparece é nela que eu penso. Quando a euforia de uma emoção toma conta de mim é para ela que eu quero contar os detalhes e gritar, ainda que ciberneticamente. Quando os dias são cinzas e o espelho me parece ruim é para ela que reclamo, descarrego muxoxo, maldigo o destino. E, depois de ouvir as impressões astutas da menina-mulher eu fico bem. Tudo parece melhor, calmo, sereno e doce, como ela é. 
Crescemos juntas, estamos nos tornando mulheres juntas, escrevendo nossas histórias, sendo crianças quando queremos ser adultas, sendo adultas quando o mais certo seria viver leve como fazem as crianças. Amadurecendo, descobrindo facetas de nossas personalidades únicas, chorando, sorrindo, caindo, levantando. Vivendo em paralelo duas vidas que se cruzam pela afinidade quase transcendental. Sem ela eu não vou. Sem ela eu nunca estou. Sem ela eu não sou. 
No dia em que ela completa mais um ano de existência é carnaval no meu coração. Junto todas as melhores coisas, os melhores sentimentos que posso nutrir e assopro no vento na esperança que chegue até ela. E chega. Porque amor de verdade não precisa ser concreto. Nasce despretensiosamente, se regar todos os dias, cresce e floresce. Na cadência bonita do querer bem.

Feliz aniversário, irmã-flor. Que nunca, mas nunca mesmo nos falte amor. E regador.
Te amo!

sábado, 26 de janeiro de 2013

É azeda, mas é doce quando é doce.


Acho engraçado quando sou conceituada como uma pessoa doce. À parte as relações com o apelido dado por minha mãe, cuja doçura é imensa todo o resto é duvidoso. Sou chata. Tenho humor oscilante, cismo fácil e desconfio de quem não olha nos meus olhos. Pareço metida, poucas vezes faço questão de demonstrar o contrário e não deixo qualquer pessoa pisar no meu mundo. Na verdade, sou tímida. A extroversão só chega quando eu me sinto confortável o suficiente para sorrir leve, jogando a cabeça para trás. Mas no geral, sou tímida. 
Tenho ciúmes estranhos. Quase nunca de gente, mas de coisas, sentimentos. Ciúme de um lençol, por exemplo. De uma música que eu acho que é minha e só minha. Dos meus livros,discos, filmes. Em se tratando de pessoas, só consigo ter ciúme da minha mãe e, ainda assim é coisa básica. No fundo eu até gostaria de sentir ciúme de alguém e dar uma mini-crise daquelas que resultam em amor quente entre quatro paredes. Acho que nesse sentido pode até ter vantagem. Ou não. 
Quando gosto de alguém eu sou intensa. Da ponta do cabelo ao dedinho do pé. Nunca pela metade, nunca sem vontade. Eu gosto e ponto. Numa rapidez descomedida, em vários tons de vermelho e amarelo. Gosto com todas as letras, pontos, acentos. Com tudo o que eu julgo ser de direito. Nessa mesma cadência eu odeio. Sei maldizer qualquer amor, qualquer paixão dantes minha. Tiro todo doce pincelado com esmero e amargo o que sobrou. Jogo tinta cinza, arranco moldura, descolo detalhes, arranho discos, rasgo cartas. A mesma fogueira de amor é usada para o desamor. Porque eu só sei ser assim. Porque eu sinto muito e em frequências dissonantes. Se me afeta, eu reajo. Se não me afeta, eu ignoro. Azeda, doce, agridoce, mas eu. Muito eu. 

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Eu sou só sentir.

De todas as coisas imateriais que carrego comigo a que mais tenho orgulho é a minha intuição. É irmã da fé - uma outra coisa que abraço a cada minuto e agradeço por ter - e prima do coração. Daquelas bem próximas, quase que irmã também. Sempre que a minha intuição grita o coração abre uma das janelas pra ver atenciosamente o que está acontecendo, mas é a fé que me impulsiona a ouvir. E eu ouço mesmo. Me disponho a captar os sussurros que logo depois se mostram gritos. Minha intuição é sempre educada, mas ao seu modo. Doce, mas nem sempre. Ela é muito eu, na verdade. 
Quando eu ainda não sabia entender o que era intuir, o que queria dizer aquela sensação de enxergar além do visível as coisas pareciam sem sentido. Eram porque eram , seriam porque seriam e ponto final. Eu não entendia que não estava sozinha, por exemplo. Que além da materialidade do ser existia o invisível que eu enxergava e que, mesmo não podendo tocar me abraçava. Abstração demais para uma mente em formação. Mas aí o tempo foi passando, crescer pareceu inevitável. E a intuição sempre esteve lá. Às vezes me avisando que sair de casa não seria indicado, noutras me dizendo que uma faísca  poderia esconder uma fogueira. Ela não se engana. Ela não deixa eu me enganar. 
A minha intuição está tão em mim que sabe até mesmo me acordar - o que é raro na materialidade das coisas - e também me colocar para dormir. Me chama na madrugada para dizer que algo está acontecendo e depois me faz um cafuné enquanto me lembra que tudo se resolverá. No meio do dia ela me faz ouvir bem o que dizem e o que os olhos revelam. Porque falar é mais que emitir voz. Salta das pupilas sem que o emissor perceba. Tem que ter olhos para ver, coração para sentir e fé para acreditar. 
É percebendo que eu  abro um sorriso. Abraço forte, dou porções do meu amor. É também por perceber que eu viro tigresa e lanço minhas unhas negras. Nada passa e eu estou sempre pronta para me defender. O olhar denota que no mínimo eu sei demais sobre o que o outro não queria que eu soubesse. Noutras vezes, ao perceber eu corro rápido. Não olho para trás, não me importo com o semáforo. Me acertando, tropeçando e sabendo que não passarei do chão. É percebendo que eu fico quieta. Me recolho ao subterrâneo, me enrolo numa cama macia e deixo as coisas acontecerem. Que seja. É percebendo que eu vivo instantes e me delicio com eles. Sinto arrepiar os pelos do corpo e as ondas de calor causarem tremores na alma. As pupilas dilatam.  É por perceber demais que eu sou só sentir. Ainda bem. 

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Lá vamos nós outra vez em queda livre.



Nos minutos que antecediam o fim de 2012 eu não consegui focar o pensamento em nada. Á parte o fato de estar malemolente depois de tomar umas duas ou três latinhas de cerveja gelada, eu simplesmente não conseguia formar desejos para o ano que chegava, fazer mini retrospectiva do que ficou para trás, nada. Quando a contagem regressiva teve início eu estava mais preocupada em comprar mais umas latinhas de cerveja e que alguma música boa tocasse para me fazer dançar. Assim, sem fazer questão do resto. Sem pensar em nada.
E então, 2013 começou. Lá se vão 10 dias e eu tenho a sensação de que eles equivalem a pelo menos 4 meses. Já teve aniversário, mau humor, amor, desamor, querer, não querer, desespero, calmaria, crescimento, risada, cara séria, suspiro, abuso, apego, desapego. Muita coisa para apenas 10 dias. E o pensamento continua do mesmo jeito: sem morada, sem foco.
Quando vai chegando a noite calço um tênis, solto os cabelos, coloco o fone de ouvido em volume máximo e saio andando por uma das avenidas da cidade. O intuito é tentar desenvolver um pensamento ou, quem sabe, encontrar alguma coisa nova que mude tudo, que me seduza. Às vezes eu corro para sentir o sangue esquentar, noutras eu olho para o horizonte, meio que autista vendo o que os demais transeuntes possivelmente não conseguem ver. Às vezes bate um vento forte que brinca com meu cabelo e me faz fechar os olhos por segundos. É nesse momento, nesse espaço curto que eu lembro que sou apenas sentir. E que não pensar demais pode ser o caminho para receber surpresas. E, que certo mesmo estava o poeta quando disse que: " Mas é boa a sensação de estar caindo. É tentar relaxar e se deixar levar sem se debater. Assim eu vou descer em queda livre." E que mais certo ainda estava um outro poeta quando em uma das minhas danças com o vento cantou no meu ouvido e me fez sorrir: " Não tem gaiola que possa me segurar."
Eu tô com eles. Vou na bubuia.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Eu tô ficando velha, eu tô ficando louca.


Daqui a 1 dia e algumas horas eu faço aniversário. 6 de Janeiro foi a data escolhida para que eu chegasse ao mundo para fazer e contar minha história. Gosto da data, do fato de ser Dia de Reis, de ser em Janeiro e de ter nascido com a missão de ser capricorniana. Porque é uma missão quase impossível. Quando criança,  eu esperava ansiosamente pelo dia em que sairia para comprar roupas novas, ganharia mimos, doces, talvez - na verdade quase sempre - uma festa. Eu ainda gosto disso tudo, mas o tempo vai modificando o viver e algumas coisas simplesmente deixam de ser. E de acontecer.
Esse ano eu ainda não consegui conceber meu aniversário. Nada planejado. Talvez eu saia para comemorar. Talvez eu compre roupas novas. Talvez eu receba abraços queridos e esperados. Talvez eu fique de pijama o dia todo vendo algum seriado que me defina. Talvez eu corte o cabelo e me arrependa depois. Ou não. Talvez eu durma o dia todo e acorde descansada. Talvez, talvez, talvez. Não se trata de papinho de depressão oriunda do processo de envelhecimento, tpm, muxoxo, nada disso. Aliás, antes fosse qualquer coisa dessa. 
O fato é que habita em mim um vulcão sem data exata para erupção. E eu, sabendo da existência dele, sentindo seu movimento diariamente fico entre querer que ele adormeça mais um pouco e me aqueça, e que ele exploda de uma só vez queimando o que estiver frio, deixando cinzas coloridas no ar.  Quero explodir para dentro e para fora. No tempo, nas pessoas, nos momentos. Estou ansiosa pelo estrago. Quero dormir cansada de ter sido tudo que quis ser. Um fluxo constante. Quero acordar querendo mais. Indo buscar meus desejos. Quero beber dois goles de água como se estivesse recebendo um oceano inteiro. Com gosto.   Doce, salgado, azedo. Tanto faz. Quero dançar até sentir os pés latejarem. Suar quente e frio. Quero tatuar Amor no corpo. Para olhar todos os dias e lembrar do que me move. Quero dar abraços fortes todos os dias. Quero brigar por amor. Sem ódio, ou rancor. Brigar para amar. Quero rir do absurdo. Chorar do que é feito pra rir. Quero amarelo. Laranja, vermelho, lilás e anil. Quero quem foi, quem está, quem chegar. Por dias, horas, minutos, segundos. O instante.  Quero o que ninguém sabe. O que eu não sei, mas desconfio. O que poucos saberiam ter. O que eu sei que existe, mas que alguns custam a acreditar. Quero o que todo vulcão depois que nasce, cresce e ganha forças quer. 
Que seja.