sexta-feira, 28 de junho de 2013

Matematicamente falando.




- Toma, isso é pra você.
- Pra mim?
- É, pra você mesmo. Pegue, se quiser.
- Tem certeza?
- Claro! Pegue. É seu.
- Mas eu...
- Que foi? Não quer?
- Eu não sei. Pode ser.
- Hum...
- (silêncio)
- Por que me dar isso?
- Porque eu quero, ué.
- (silêncio)
- Tudo bem, relaxa. Não tem grilo. "Pode ser" é muita coisa. Uma infinidade de coisas, aliás. Deve existir generosidade nisso. Ou não.
-  Hum...Eu posso ver?
-  Pode ser.
- Você está devolvendo o que eu disse?
- Tô devolvendo o que é seu. Não é seu? Minha mãe sempre disse para não ficar com o que não era meu. Então.
-  Mas você disse que "pode ser" é uma infinidade de coisas. Não me pareceu ruim. Aliás, não me parece ruim para ninguém.
- Sim, eu disse. E repito. Mas veja bem, eu quero apenas uma coisa. Olha que simples! Porém,estamos em desequilíbrio de oferta. Entenda, seu "pode ser" deve ser muita coisa, mas não pra mim. Seu muito pra mim é pouco. Seu "pode ser" pra mim são dois grãos de areia em um copo d'água. Dois centímetros da régua. A matemática alerta: trata-se de uma equação complexa. Odeio matemática.
- Calma, não precisa ser assim também.
- Que nada, relaxa. A gente só pode dar o que tem. Guarda bem o "pode ser", tá? Vai servir. Nossa, lembrei de Trigonometria.
- Você tá indo embora?
- Estou. Preciso resolver umas coisas.
- A gente ainda se vê? 
- Ah, sim. Pode ser.
- Você tá fazendo de novo...
- Qual é o quadrado da hipotenusa?
- Fala sério, por favor.
- Lembrei! A soma do quadrado dos catetos!
- Heim? O que isso tem a ver?
- Eu sou soma e multiplicação. Você é apenas subtração.
- Isso não é verdade. Você está viajando.
- Prove o contrário. Pegue lápis e papel e me convença.
- Eu odeio matemática.
- Pois é, eu também. Prefiro Humanas. Vou indo. Aquele abraço!

Pense, pule, sinta, fale, meu bem.


Outro dia desses eu estava à toa na vida vendo a banda passar falando sobre diversas coisas, inclusive o amor, quando me peguei contando quantos pensamentos eu tinha por segundo. Em uma média matematicamente i-lógica contabilizei cinco pensamentos para cada dois segundos. Todos em paralelo, ordenados por ramificações que nenhum arquiteto ou engenheiro conseguiria transpor na materialidade. Vejo, penso, sinto. Nem sempre nessa ordem, mas sempre com os sentidos aflorados. Às vezes na maciota, noutras numa velocidade absurda que resulta em espasmos na cabeça. 
Eu penso pra sentir dor e, também, para dar fim na mesma. Penso para rir, para chorar. Penso para resolver, mas quase sempre para confundir. Eu penso. E nem sempre transmito o que a minha máquina supersônica constrói em milésimos de segundos, seja por não dar tempo - um pensamento engole o outro que não espera ver o próximo nascer - seja por, sei lá, receio. " Não te dizer o que eu penso, já é pensar em dizer. " Acontece de travar, da timidez me abraçar e eu ficar muda.  Como dar de bandeja para o outro o que eu mesma desconheço? E se a pessoa não entender, ou entender errado?
O meu melhor amigo é mestre em provocar a ebulição do meu pensamento. Se nada digo, mas visivelmente sinto, lá está ele indagando: " Sim, e você acha o quê?" ou ainda " Você tem alguma coisa a dizer, não é? Fale logo." É sempre assim, me pegando de surpresa em um dos meus pulos efusivos na cama elástica da mente. 
Ontem, depois de tomarmos um suco de limão juntos, ele me enviou uma dessas mensagens de texto via celular com a seguinte indagação: " Você está feliz?" Demorei bem mais que os dois segundos que contabilizam cinco pensamentos para ordenar uma resposta coerente com a realidade. Como assim, feliz? O que ele queria dizer com aquilo? Eu não parecia bem? O que ele entendia por felicidade? Eu estava feliz? O que me faz feliz? A felicidade mora em relevos íngremes ou em terrenos planos e asfaltados? É preciso ir buscar ou cruzar as pernas e ver a banda passar também tem efeito? A felicidade é dizer não ou ficar esperando um sim? Mora aqui ou acolá? Eu mereço tê-la ou não?
Antes que eu pudesse rebater a pergunta de Eduardo com qualquer uma dessas outras, ele foi mais rápido e disse: " Seja direta, filha. Não pense demais. Se delongar o pensamento, não vai ser a realidade. Está ou não feliz?" Cortaram ao meio a cama elástica. Cai feito gato, com os pés fincados no chão. Não foi vácuo, mas sim, chão. 
O efeito da queda foi novo e excelente. Saltei, senti e falei. Ao contrário do comum, não foram cinco pensamentos em dois segundos. Eu só gastei meio segundo com um pensamento: Estou suave na nave. Embora rolem algumas turbulências, tomo a reta e sigo deslizando rumo ao que eu sei que existe. Ao que eu já projetei na mente diversas vezes e que, algo me diz que está na maciota, também deslizando suave na nave. E em minha direção. " E como será? O vento vai dizer lento, o que virá...!" E eu sei que, assim como ontem, não vai dar muito tempo para pensar. Foda-se. Já peguei a manha de pular como gato.

Pra ouvir: O vento - Los Hermanos.

domingo, 2 de junho de 2013

Da maior importância


Tocava Gal quando a verdade ensurdecedora tomou todo espaço do meu quarto e me fez colocar uma mão na cabeça e a outra na boca, dando aos dentes minhas poucas unhas, como costumo fazer quando não sei como agir. Era oficial: ali, naquele quarto com cheiro de incenso de alfazema, estava uma mulher apaixonada. Uma verdade é sempre uma verdade, mas eu não sabia como conceber aquela que havia chegado até mim de forma violenta e pesada. Apaixonada. Com todos as letras, rabiscos, traços, cores. Da agonia do não saber como agir ao prazer da plenitude que caracteriza o estado da paixão, decidi viver cada pedacinho dado como bem fosse. Quis ser kamikaze. E, inconscientemente fui.
Dei o que pude. Dei o bem querer todos os dias. Às vezes no concreto, noutras no pensamento que eu jurava que chegaria lá. E, com tanto querer, é bem certo que chegou. Talvez ele nem tenha percebido. Dei do meu jeito, com minha intensidade. Dei até o que não podia, mas se meu coração já estava lá, que mais não poderia? E, como um kamikaze iniciante, não tracei uma rota segura, nem verifiquei a possibilidade de cortar por outros caminhos. Apenas fui. Em cada ida, em cada curva em que eu precisei frear bruscamente doíam meus músculos. Inclusive o involuntário pulsante. A cada vento forte eu perdia o pensamento, o eixo e buscava o manual de pilotagem, mas não dava em nada. Eu nem conseguia ler. 
Por ironia do destino, foi Gal que tocou quando eu precisei fazer um pouso forçado. "  Foi um movimento que aí você não pode mais gostar de mim direito. " Não dava mais para ir além. Eu não tinha talento para kamikaze. Ele não estaria no alvo quando eu chegasse. Eu já estava pairando no nada sem ter percebido. Não foi ele, mas sim eu, que não tive mais pique e decidi não mais ficar. Não havia mais o jeito, o momento. Dei dois passos para trás. Porque eu ainda prefiro acreditar no disco voador e no que o escuro do futuro pode nos dar. Talvez, um pequeno momento puro de amor. Ou não. Ou ele já passou. 
Certo mesmo é que deve haver uma transa qualquer pra ele e pra mim. Quiçá até entre nós. E,mais ainda, certo é que há sempre um homem para uma mulher. "Há dez mulheres para cada homem" e aí ele até sai na vantagem, mas fazer o quê? "Uma mulher é sempre uma mulher". Eu aceito a condição de ser o lado sentimental vermelho rubro que vez por outra decide ser kamikaze, mesmo sem ter talento. Não faz mal. Eu sou assim e não quero mudar.
Não há o que ser cortado, esquecido, mal dito. Não tem rancor, nem desamor. Ele despertou em mim um sentimento lindo e forte que eu não esperava sentir tão cedo-  e que  não pertence a ele e sim, a mim. É minha a paixão. É meu o bem querer. " É tão difícil, tão simples, tão raro, de repente ser uma coisa tão grande, da maior importância." E ele foi.  Isso basta. 


Para ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=JWTQ6Eico8E