domingo, 3 de março de 2013

Sem nunca dar adeus.



Valentina despertou ao som de uma das músicas que embalaram sua breve história de bem querer. Não sabia ao certo a razão pela qual tinha mantido o despertador ainda com aquela canção. Já deveria ter trocado, substituído por qualquer outro bip que fosse capaz de a despertar sem lembranças, mas deixou ecoar pelos quatro cantos do quarto aquela música que anteriormente fazia sentido. Diariamente. O mesmo som sempre às 05:45 da manhã. Quando decidia dormir mais um pouco era obrigada a ouvir por duas vezes a canção que não deveria mais tocar. E, mesmo sabendo que alguma providência deveria ser tomada, lá estava ela rememorando cada pedaço da história, ao passo em que espreguiçava os músculos do corpo. Sadomasoquismo poderia definir.
Numa dessas manhãs ensolaradas que antecedem o outono e desafiam a permanência do verão, Valentina despertou incomodada. Havia algo de diferente no modo como abriu as pálpebras e fitou a parede. Embora antes estivesse dormindo, a sensação era de que esteve acordada por horas vendo um filme. Estava atenta, insone,  concentrada. Não precisou se espreguiçar. Não sentiu preguiça. Não bocejou. Não precisou arrumar os cabelos. O emaranhado que o lençol fez em suas pernas não a incomodou. Indiferente a tudo que estava ao seu redor, Valentina respirava tranquila, desfrutando de uma serenidade que somente o despertar pode oferecer. 
Nos olhos de Valentina haviam mais certezas do que dúvidas. As pupilas tinham em seu centro a imagem de uma estrada longa e vazia. Um milhão de oportunidades em um mesmo olhar, numa mesma estrada. Sabendo do tanto que já havia andando até alí, até aquela manhã despretensiosa não restava muita coisa a ser decidida. Seguiu andando em linhas tortas pela estrada a fora. Sozinha e empoderada em algo que ela não conhecia. Sem se espreguiçar saiu fazendo seu caminho. Sem trocar a música. Sem expectativas. Sem cansaço. Sem preguiça. Sem olhar pra trás. Sem dizer se voltava. Sem pensar no que poderia ser. Sem nunca dar adeus. E foi.