Olha só, deixa eu te dizer, eu não odeio você.
Te digo isso, assim, dessa forma direta, por ter certeza do que sinto. Eu seria leviana e ridícula se te dissesse que não detesto algumas pessoas nessa vida. Sim, algumas. Transito entre não ter apreço e ignorar. Confesso para você que, na maioria das vezes, eu prefiro ignorar a detestar. Odiar dá trabalho e, veja bem, eu não acho que ninguém que eu julgue ruim mereça algum esforço da minha parte. Então, não odeio. Ignoro. Desprezo. Esqueço.
Mas isso não aconteceu com você. Eu já até tentei, mas não consegui. Quando estamos no cume da montanha de dissabores a tendência é abrir a gaveta do ódio e vestir armaduras pesadas para dar força ao ato de odiar. Todo mundo tem essa gaveta no armário. Eu também tenho. Em todas as vezes que senti o vento frio que você soprou em meu rosto contrastar com o calor que eu sentia por dentro, eu pensei em pegar a minha melhor armadura e te agredir. Odiar é agredir. Quando odiamos desfiguramos o outro numa busca insana de desfazer o que conhecíamos, para justificar o engodo de não reconhecer uma presença que, sabe-se lá, se um dia existiu. Odiamos para diminuir o peso do engano. Para disfarçar a tendência ridícula de fantasiar as pessoas. Odiamos para fazer valer a condição de vítimas. Para vingar as lágrimas derramadas. Odiamos para validar a sensação sádica de sofrimento intenso que contorna as afetividades não vingadas.
Eu te odeio tanto que não quis que você sequer imaginasse a tela desfigurada que fiz da sua pessoa, num dia em que enlouqueci ao ver meu coração em pedaços no chão do meu quarto. Te odeio tanto que contrario a lógica que determina os modelos de relação tidos como "comuns" e, quando me perguntam pela sua pessoa, me limito a sorrir e dizer que você está bem, mesmo não tendo notícias suas. No fundo, ao responder, eu espero que você esteja muito bem. É que eu te odeio tanto que não lhe desejo mal algum. Nunca desejei. Não acho bacana te arremessar pedras. Te odeio de uma tal maneira que não gostaria de te ver com machucados provocados por mim. Eu não gostaria de te deixar uma cicatriz, ainda que ela fosse "invisível" a olhos nus. Você enxerga alguma cicatriz em mim? Te odeio tanto que não sei da sua vida, não quero saber, mas te ouviria atentamente por horas, caso você quisesse me falar sobre. Te odeio tão absurdamente que engano minha memória e bloqueio todas as lembranças. Todas. Boas ou ruins. Que é para eu não ter um parâmetro de comparação que me leve ao abismo de te odiar. Te odeio tanto que sofri quando vi morrer aos poucos a muda de hibisco que eu plantei para você no meu jardim. Eu não queria, nem quero que você morra. Por favor, não morra. Não saberei lidar com isso. Te odeio tanto que desejo que você encontre alguém que te faça chorar, mas que, ao contrário de mim, você tenha sabedoria para entender que derrubar uma, duas, ou centenas de lágrimas faz bem. Te odeio tanto que desejo que, depois de descer a montanha de dissabores, você possa escrever uma carta como essa para quem te fez chorar.
A verdade é que a minha estrutura não é tão forte quanto parece, mas nada é tão ruim assim. Tenho passarinhos na janela, um jardim, livros, música, latas de tinta, doces e um coração que vive numa enorme gaiola dourada. Aberta. Eu escolho não te odiar porque pesa o coração. Não alimenta. Só pesa. Não te odeio porque prefiro dar de comer em dobro ao meu coração, ao invés de te cobrar que faça isso. Alimento por mim e por você. Eu não te odeio porque abrindo as portas para o ódio eu fecho as portas para você. E para mim também. Você está no álbum de fotografias que eu não tiro da caixa, na parede de memórias que eu passo os olhos rapidamente ao longo do dia e deixo ficar no mesmo lugar. Eu não te odeio porque de uma forma ou outra você mora nessa estrutura forte e frágil que não reconhece outra forma de viver se não for amando.
Fica em paz na sua paz.
Um beijo.