Eu deveria ter entre 16 e 17 anos quando bati os olhos numa tela da Frida Kahlo pela primeira vez. Era uma tarde vadia pós escola e eu estava com um amontoado de revistas no colo para serem lidas enquanto o tempo passava e minhas obrigações estudantis ficavam de escanteio. A revista era da minha mãe e eu costumava lê-la para me sentir madura. Do horóscopo às matérias sobre sexo. Eu queria saber como uma mulher mais velha enxergava o mundo. Obviamente as lentes que as revistas mostravam nem sempre eram legais, mas isso não vem ao caso.
A matéria que falava da Frida tinha como tema mulheres a frente dos seus tempos. Isso por si só já me atraiu. Antes de qualquer texto introdutório havia um dos auto-retratos de Frida tomando a página inteira. Lembro de ter ficado uns 2 minutos olhando fixo para os olhos daquela mulher que até então eu nunca tinha ouvido falar, a não ser na música da Adriana Calcanhoto. O texto tratava em linhas breves sobre uma história triste e forte de uma mulher mexicana que amou demais, sofreu demais, sentiu demais. Engoli cada linha e voltei para tela. Mais uns 3 minutos de hipnose querendo entender aquela pessoa tão extraordinária e feminina, seus sentimentos, suas dores. Destaquei a matéria da revista e guardei no meu então diário confidencial. Me apaixonei por Frida instantaneamente e sabia que a partir daquele dia ela não sairia mais de mim.
No outro dia bati ponto na biblioteca da escola tentando achar algum livro, biografia, recorte de revista, qualquer coisa a mais sobre minha nova paixão. Nada. O bibliotecário nem sabia de quem se tratava. Meus amigos também não conheciam e a única saída foi entrar numa lan house - na época eu não tinha computador em casa e era feliz mesmo assim - e pesquisar. A paixão virou amor. Quando ganhei meu primeiro salário consistente comprei o diário e mais uns 4 livros dela. Moram na minha prateleira e são meus tesouros ,a herança mais querida que eu deixarei para alguém.
Costumo dizer que sou filha da mulher que usava longos vestidos coloridos, colares, argolas e flores na cabeça. A mulher que gargalhava pesado. Que dava amor vermelho-rubro em doses cavalares. Que bebia insanamente para curar a dor de um amor bandido. Que falava os mais pesados palavrões sem nenhum pudor. A mulher de estatura pequena que desafiava qualquer homem e que tinha na fala e no olhar um poder descomunal. Sou filha daquela que mesmo não podendo ter filhos sabia ser mãe. Nasceu mãe das pessoas que próximas a ela estavam. Frida adotava quem ela gostava com o calor que só um útero pode ter. Sou como ela.
Até hoje eu nunca amei um homem ,mas tenho certeza de que o dia em que isso acontecer terei nas veias o mesmo sangue quente que Frida tinha. A mesma forma desmedida e própria de querer bem a alguém que os olhos perceberam ser merecedor. Mesmo que depois o fel da desilusão deixe claro o contrário. Terei o mesmo despudor em falar sobre meu amor para que eu mesma e o mundo não esqueçam do que eu senti. Usarei batom vermelho para combinar com a cor que terei como cenário. Certamente jogarei algumas garrafas na parede para amenizar uma crise de ciúme. Exigirei lealdade, bem mais que fidelidade, mas não perdoarei toda e qualquer traição. Como Frida, como filha dela, darei o que de melhor tenho esperando receber o mesmo. Porque é de amor que essencialmente somos feitas. E só isso nos move. Só isso nos interessa.