domingo, 24 de fevereiro de 2013

Eu e Frida.

Eu deveria ter entre 16 e 17 anos quando bati os olhos numa tela da Frida Kahlo pela primeira vez. Era uma tarde vadia pós escola e eu estava com um amontoado de revistas no colo para serem lidas enquanto o tempo passava e minhas obrigações estudantis ficavam de escanteio. A revista era da minha mãe e eu costumava lê-la para me sentir madura. Do horóscopo às matérias sobre sexo. Eu queria saber como uma mulher mais velha enxergava o mundo. Obviamente as lentes que as revistas mostravam nem sempre eram legais, mas isso não vem ao caso.
A matéria que falava da Frida tinha como tema mulheres a frente dos seus tempos. Isso por si só já me atraiu. Antes de qualquer texto introdutório havia um dos auto-retratos de Frida tomando a página inteira. Lembro de ter ficado uns 2 minutos olhando fixo para os olhos daquela mulher que até então eu nunca tinha ouvido falar, a não ser na música da Adriana Calcanhoto. O texto tratava em linhas breves sobre uma história triste e forte de uma mulher mexicana que amou demais, sofreu demais, sentiu demais. Engoli cada linha e voltei para tela. Mais uns 3 minutos de hipnose querendo entender aquela pessoa tão extraordinária e feminina, seus sentimentos, suas dores. Destaquei a matéria da revista e guardei no meu então diário confidencial. Me apaixonei por Frida instantaneamente e sabia que a partir daquele dia ela não sairia mais de mim.
No outro dia bati ponto na biblioteca da escola tentando achar algum livro, biografia, recorte de revista, qualquer coisa a mais sobre minha nova paixão. Nada. O bibliotecário nem sabia de quem se tratava. Meus amigos também não conheciam e a única saída foi entrar numa lan house - na época eu não tinha computador em casa e era feliz mesmo assim - e pesquisar. A paixão virou amor. Quando ganhei meu primeiro salário consistente comprei o diário e mais uns 4 livros dela. Moram na minha prateleira e são meus tesouros ,a herança mais querida que eu deixarei para alguém. 
Costumo dizer que sou filha da mulher que usava longos vestidos coloridos, colares, argolas  e flores na cabeça. A mulher que gargalhava pesado. Que dava amor vermelho-rubro em doses cavalares. Que bebia insanamente para curar a dor de um amor bandido. Que falava os mais pesados palavrões sem nenhum pudor. A mulher de estatura pequena que desafiava qualquer homem e que tinha na fala e no olhar um poder descomunal. Sou filha daquela que mesmo não podendo ter filhos sabia ser mãe. Nasceu mãe das pessoas que próximas a ela estavam. Frida adotava quem ela gostava com o calor que só um útero pode ter. Sou como ela. 
Até hoje eu nunca amei um homem ,mas tenho certeza de que o dia em que isso acontecer terei nas veias o mesmo sangue quente que Frida tinha. A mesma forma desmedida e própria de querer bem a alguém que os olhos perceberam ser merecedor. Mesmo que depois o fel da desilusão deixe claro o contrário. Terei o mesmo despudor em falar sobre meu amor para que eu mesma e o mundo não esqueçam do que eu senti. Usarei batom vermelho para combinar com a cor que terei como cenário. Certamente jogarei algumas garrafas na parede para amenizar uma crise de ciúme. Exigirei lealdade, bem mais que fidelidade, mas não perdoarei toda e qualquer traição. Como Frida, como filha dela, darei  o que de melhor tenho esperando receber o mesmo. Porque é de amor que essencialmente somos feitas. E só isso nos move. Só isso nos interessa. 

domingo, 17 de fevereiro de 2013

O que sobrou de ontem

Ontem eu fui dormir com a cabeça fervilhando. Meu travesseiro mais parecia uma imensa fogueira com chamas altas que abraçavam meu cérebro. Queimei o juízo o bastante para que o estado de latência chegasse e, enfim, eu adormecesse. Não há nada de errado, mas há coisas a serem resolvidas ou melhor, (re) definidas e talvez esse seja o momento mais oportuno. 
Já faz um bom tempo que percebo o movimento do redemoinho avisando que mais dia menos dia, querendo ou não, estando pronta ou não, tendo cartas na manga ou não avançarei algumas casas nesse jogo sem regras fixas que é a vida. Pode ser que eu retroceda também, mas aí caberá a mim decidir se viro a mesa ou se dou a vez para meu oponente. Não darei. Não peço para sair.
De tudo que foi vivido até aqui não restam arrependimentos. Na verdade, existem até alguns, mas prefiro minimizá-los. Se não for maior que eu em minha pequeneza de estatura, não tem importância. Não vou me preocupar. Das incertezas diárias tentarei suprimir a angústia do não saber e me deleitar na montanha-russa do será. E que seja. Das certezas pinçarei a retidão do querer saber e  aceitarei a condição de que nada nem ninguém é conhecível o bastante. Nem eu mesma. Quem quiser e achar possível me conhecer por completo que dê seus pulos. 
Voltarei a usar óculos. Não assumir a minha miopia me proporcionou lentes embaçadas. Quero ver melhor não os detalhes, mas o conjunto das obras.  Me parece mais justo e saudável. Melhorarei o meu olhar sobre as pessoas. Que sejam como são e que eu seja o que eu sou. 
Farei uma faxina no meu altar. Doarei alguns berloques e laços que mantenho guardados. Estima não deve ser confundida com comodismo barato. Se não movimenta, não serve. Desapegando do que julgo ser meu ou que, na intensidade do querer abraço forte, deixarei ir o que não deve ficar. Sem tchau.
Viverei cada pedacinho dos segundos da intensidade do momento. E quando eu piscar os olhos e perceber que já foi, estarei mais uma vez pronta para viver de novo. Tanto faz que seja o novo ou o mesmo de antes. O que vai valer é o sentir.
Aceitarei a condição de que sou água de cachoeira e correrei macia por onde for. Não tendo outra forma de viver a não ser essa que é minha essencialmente, desaguarei entre as pedras que aparecerem e deixarei brilhante a areia que eu venha a banhar. Nunca parada, tampouco turva. Límpida, serena, por vezes intensa, mas fluída. 


sábado, 16 de fevereiro de 2013

O dia em que eu fiquei sem saber o que dizer.

Quando a minha mãe rememora as lembranças da minha infância sempre é citado o fato de eu ser uma "menina respostinha". Orgulhosa, ela conta que, mesmo quando parecia impossível que eu conseguisse me desvencilhar de uma pegadinha de algum adulto brincalhão, a resposta surgia como um flash. Quase que pronta. Parecia ensaiado em casa ou coisa de uma criança robótica, mas o fato é que meu pensamento parecia correr um pouco mais rápido do que o desenrolar da própria situação. E, sendo criança, havia a liberdade e a falta de pudor. O máximo que poderia acontecer era levar um esporro.
Com o passar do tempo a velocidade do pensamento aumentou na mesma intensidade dos pudores. Falo menos do que eu penso como um mecanismo de defesa. Minha e dos outros, claro. Obviamente, essa filtragem do que eu devo ou não falar não acontece com todo mundo. Com quem eu confio e me sinto à vontade não há peneira. Solto todas as loucuras possíveis no intuito de abrir espaço para outras. E, quando todos estão ocupados ou eu acordo introspectiva, escrevo e expurgo. Nada fica muito tempo tomando espaço na minha cabeça.
Dentre as pessoas que mais converso e despejo meus pensamentos está Eduardo. Não há um só dia que não troquemos alguma palavra, fofoca ou simplesmente transmissão de pensamento. E, sempre falamos bobagens rindo, seriedades rindo, resolvemos nossas questões de gente adulta rindo. Não é que não levemos a sério as coisas ou pessoas, mas rimos porque assim parece mais leve e divertido viver. Daí que hoje em meio a uma conversa aparentemente despretensiosa sobre questões acadêmicas ele resolveu falar sério. A princípio e, como de costume, ri e dei uma das minhas respostas rápidas. Mas, contrariando a minha expectativa de que aquela seria mais uma conversa divertida, ele começou a falar sério sobre coisas que, somente sendo tão amigo do outro a ponto de sentir junto, alguém poderia entender. Não tive uma resposta para dar.
Lendo as mensagens e ouvindo o meu sobrinho gritar junto com o desenho animado, misturei o riso de outrora com um nó na garganta e umas lágrimas que brotaram sem eu perceber. Busquei mais uma vez por uma resposta e não achei. As máquinas do meu pensamento pararam de maneira brusca e irremediável. Fiquei calada, estática, com os olhos vidrados no celular que, a esse momento, já se encontrava levemente encharcado. 
Na incapacidade de dizer algo mergulhei fundo no pensamento a fim de buscar não uma resposta, mas qualquer outra coisa que servisse para o momento. Achei um espelho, um dos tantos que carrego comigo e me fitei por alguns instantes. Nos olhos marejados haviam algumas verdades: sei menos do que acho saber, pretendo menos do que posso fazer, sou mais do que o meu próprio olho e os demais podem ver e vivo menos do que deveria viver.   Sendo ele tão amigo e querido por mim, o emprestei meu espelho. Na falta de respostas, que brotem serenamente as verdades que só o silêncio pode dar. E que mesmo calados estejamos sorrindo. E juntos. 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Para Gabriela.


Eu nunca vou esquecer o dia, o lugar e o motivo que me fizeram conhecer a Gabriela. O Orkut parecia sem graça e impessoal quando a menina simpática trocou uma ideia comigo. O tema: Los Hermanos. Não teve jeito. Alí, naquele lugar improvável, com a nossa banda preferida como temática e trilha sonora nasceu uma amizade. Jamais esquecerei o dia em que a chamei de irmã pela primeira vez, a certeza do " eu te amo", as milhares de confissões, choros, risadas e emoções partilhadas até aqui. Gabi faz valer aquela história de que "família é quem você escolhe pra você". Não é da boca para fora. Somos mesmo irmãs.
E lá se vão quase 10 anos de cumplicidade. Muito embora a distância seja nossa inimiga nos momentos em que um abraço, ou uma companhia na gargalhada antes de dormir se fazem necessários, estamos juntas. Quando a necessidade de um desabafo aparece é nela que eu penso. Quando a euforia de uma emoção toma conta de mim é para ela que eu quero contar os detalhes e gritar, ainda que ciberneticamente. Quando os dias são cinzas e o espelho me parece ruim é para ela que reclamo, descarrego muxoxo, maldigo o destino. E, depois de ouvir as impressões astutas da menina-mulher eu fico bem. Tudo parece melhor, calmo, sereno e doce, como ela é. 
Crescemos juntas, estamos nos tornando mulheres juntas, escrevendo nossas histórias, sendo crianças quando queremos ser adultas, sendo adultas quando o mais certo seria viver leve como fazem as crianças. Amadurecendo, descobrindo facetas de nossas personalidades únicas, chorando, sorrindo, caindo, levantando. Vivendo em paralelo duas vidas que se cruzam pela afinidade quase transcendental. Sem ela eu não vou. Sem ela eu nunca estou. Sem ela eu não sou. 
No dia em que ela completa mais um ano de existência é carnaval no meu coração. Junto todas as melhores coisas, os melhores sentimentos que posso nutrir e assopro no vento na esperança que chegue até ela. E chega. Porque amor de verdade não precisa ser concreto. Nasce despretensiosamente, se regar todos os dias, cresce e floresce. Na cadência bonita do querer bem.

Feliz aniversário, irmã-flor. Que nunca, mas nunca mesmo nos falte amor. E regador.
Te amo!