quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Já que eu não engulo pílulas, vou tomar vitamina C.


Quando criança eu brincava de decorar cheiros e guardá-los no baú da minha memória. Para cada pessoa uma caixinha. Para cada situação um envelope. Na minha cabeça infantil a madeira guardava por mais tempo. Já o papel poderia rasgar, amassar, se perder no vento. Assim, eu guardava o perfume da minha mãe na maior caixa do baú. Já se passaram bem mais de 10 anos, ela nem usa mais a mesma essência, mas se eu fechar os olhos e respirar fundo sinto o perfume que me colocava pra dormir.
Os cheiros do Nescau e do biscoito de maizena também moravam numa caixinha. Sempre que eu queria me sentir em casa abria a caixa e tudo ficava bem. O cheiro da gasolina morava em um envelope. Eu não era uma criança que viajava muito, mas quando isso acontecia eu fazia questão de colocar o nariz fora da janela pra sentir aquele cheiro empolgante. Gasolina me lembra vento, liberdade. Um pedacinho de papel solto no ar. Eu sempre olho para cima quando sinto cheiro de gasolina.
Os cheiros do meu primeiro beijo ainda moram em uma das minhas caixas. Cheiros, sim, porque foram vários. O perfume que o "meu amor" usava e me fazia sentir segura, o meu perfume doce de menina que ouvia alguma boy band do momento e suspirava sem fim, o cheiro de morango do brilho labial que eu usava, o perfume da única roseira que tinha na pracinha, o cheiro dos fogos de artifício e da lenha da fogueira. Fechos os olhos, respiro fundo e cá estão todos eles fazendo redemoinho no meu coração.
Daí que ontem eu acordei com saudade. Fazia um bom tempo que eu não degustava do gosto único e levemente amargo que esse sentimento tem. Saudade tem cheiro, sim. Desconfio que saudade tem até cor. Mas ontem eu não precisei abrir meu baú, procurar minhas caixas, envelopes, nada. Não foi porque eu quis. Eu não respirei fundo, nem fechei os olhos. Ontem eu despertei e um único cheiro já estava impregnado no meu quarto, no meu edredom, nos meus cabelos, dedos, boca. Cheiro de querer. Era doce e cítrico. Cheiro de saudade. Amadeirado e floral. Cheiro de cigarro misturado com álcool. Era seu e, também era meu. Era nosso. Pensei rápido, fechei os olhos, respirei fundo, abri a boca e engoli. Cheiro, saudade, presença, ausência, querer, tudo. Fiz de vitamina C. Desceu me rasgando com força, mas não tinha importância. Antes isso do que procurar você.